ANDALUZIA E FLAMENCO!
Ay ay ay....Flamenco...un dolor tan
puro y certero!
A
origem do nome? Uma delas é árabe, originária das palavras "felag mengu",
que significa algo como "camponês de passagem" ou “fugitivo
camponês"
Existem algumas teorias sobre seu
aparecimento, mas o mais simples de entender é o que escreve Luiz López Ruiz,
em Guía Del Flamenco. A fusão da “musica e dança” dos povos
ciganos, árabes e judeus se deu pela perseguição da Igreja em tentar converter
os árabes e judeus ao cristianismo ou deixarem a Espanha definitivamente. Aqueles que se recusavam a serem deportados
para África ou se converterem, refugiaram-se nas montanhas e regiões mais
distantes, onde foram recebidos pelos ciganos/andaluzes e se misturaram. Nessa
condição de “foragidos”, as culturas musicais mesclaram-se, trazendo à tona um
princípio de cante que conhecemos como flamenco: a forma de cantar dos mouros
(expressões de dor), os diferentes ritmos, as palmas e as formas de dançar. A
musicalidade flamenca é agressiva para alguns ouvidos porque reflete o
desespero, a luta, a esperança, a dor e o orgulho desses povos que se reuniam
em festas familiares à noite para compartilhar todo lamento e dor. Por isso que
o flamenco só pode ser compreendido quando se conhece a história desses povos.
E quando canta, toca e dança, “el
Duende” (o transe) ocorre pela manifestação da entrega, da maior
expressividade de paixão e força, onde o artista se transporta para uma outra
época, sentindo na carne as dores de seus antepassados. Não é só uma dança, mas
toda uma vida perdida e desesperada....como a célebre frase de Tía Anica la Piriñaca.
"Cuando canto a gusto me sabe la boca a sangre”
Não são
claras as origens do flamenco, mas sabe-se que tem pelo menos 2 séculos de
existência. A história se perdeu por vários motivos, dentre elas porque os
ciganos tinham uma cultura oral, onde tudo era passado de geração à geração
através da convivência. Além disso, por ser uma prática dos povos excluídos,
não foi considerado arte, sendo discriminado e repudiado pelas classes mais
favorecidas. Ainda hoje, em algumas cidades da Espanha (fora de Andaluzia) o
flamenco é discriminado!
A partir do
século XVIII o flamenco ganha notoriedade com o surgimento de cantores populares.
Nesta época, o Romantismo se inspira na vida andaluza como fonte de criação
para muitos autores e seus romances bandoleiros e ciganos com a musicalidade
flamenca. Eram amores vividos na intensidade e cheios de aventuras, como se
imaginava ser a Espanha. Surgem os Cafés Cantantes, onde o flamenco sai da
taberna para o teatro, pelas mãos de Silverio Franconeti. Em 1922, Federico García Lorca e Manuel de Falla organizaram a "Fiesta del Cante Jondo",
um festival de música folclórica dedicada ao Flamenco mais antigo, com o
objetivo de resgatá-lo do esquecimento.
A partir da década de 60 o flamenco se firma como uma cultura popular,
através dos tablados, das publicações de livros, gravações de discos e a
organização de outros concursos e festivais. Nessa época, se internacionaliza e
o mundo passa a conhecer grandes personalidades que levaram a paixão flamenca
pelo mundo, como Camarón de la Isla e Paco de Lucía. Atualmente, podemos entendê-lo
dividido em três categorias:
§
Flamenco
Jondo ou flamenco antigo - forma mais tradicional e mais doído.
§
Flamenco
Clássico - cantes folclóricos aflamencados e uso de guitarra e bailes para apresentações com bailes sóbrios e outros alegres.
§
Flamenco
contemporâneo - flamenco jondo e clássico somados ao jazz e ao fusion.
O Flamenco entrou na minha vida em
2004 quando estive pela 1ª. vez na Espanha e vi um show em Sevilha. Nunca mais
me esqueci daquela noite e foi assim que me entreguei à Espanha e declarei-me
sua amante para toda a vida.
Somos muitos
anônimos apaixonados pelo Flamenco. Assim como, grandes personalidades vivenciaram
essa arte. Sabe-se que Coco Chanel gostava de fazer festas andaluzas com bailes
flamencos para amigos íntimos em sua casa. No Brasil, temos o João Cabral de Melo Neto que escreveu tão bem sobre a paixão
flamenca, porém o que mais me impressiona é esse o texto da Clarice Lispector, publicado em 1970 e que é parte
integrante de sua obra “A Descoberta do Mundo”, onde ela expressa com tanto
conhecimento e veracidade o que sentimos quando dançamos :
Não sei de outra em que a rivalidade
entre homem e mulher se pusesse tão a nu. Tão declarada é a guerra que não
importam os ardis: por momentos a mulher se torna quase masculina, e o homem a
olha admirado. Se o mouro em terra espanhola é o mouro, a moura perdeu diante
da aspereza basca a moleza fácil; a moura espanhola é um galo até que o amor a
transforme em Maja.
A conquista difícil nessa dança.
Enquanto o dançarino fala com os pés teimosos, a dançarina percorrerá a aura do
próprio corpo com as mãos em ventarola: assim ela se imanta, assim ela se
prepara para tornar-se tocável e intocável. Mas, quando menos se espera, sua
botina de mulher avançará e marcará de súbito três pancadas. O dançarino se
arrepia diante dessa crua palavra, recua, imobiliza-se. Há um silêncio de
dança. Aos poucos o homem ergue de novo os braços e, precavido – com temor e
não pudor- , tenta com as mãos espalmadas sombrear a cabeça orgulhosa da
companheira. Rodeia-a várias vezes e por momentos já se expõe quase de costas
para ela, arriscando-se quem sabe a que punhalada. E se não foi apunhalado é
que a dançarina de súbito recolheu-lhe a coragem: este então é o seu homem. Ela
bate os pés, de cabeça erguida, em primeiro grito de amor: finalmente encontrou
seu companheiro e inimigo. Os dois recuam eriçados. Reconheceram-se. Eles se
amam.
A dança propriamente dita se inicia. O
homem é moreno, miúdo, obstinado. Ela é severa e perigosa. Seus cabelos foram
esticados, essa vaidade da dureza. É tão essencial essa dança que mal se
compreende que a vida continue depois dela: este homem e esta mulher morrerão.
Outras danças são a nostalgia dessa coragem. Esta dança é a coragem. Outras
danças são alegres.
A alegria desta é séria. Ou a alegria
é dispensada. É o triunfo mortal de viver o que importa. Os dois não riem, não
se perdoam. Compreendem-se? Nunca pensaram em se compreender, cada um trouxe a
si mesmo como único estandarte. E quem foi vencido – nessa dança os dois são
vencidos – não se adoçará na submissão, terá aqueles olhos espanhóis, secos de
amor e raiva. O esmagado – os dois serão esmagados – servirá vinho ao outro
como um escravo. Embora nesse vinho, quando vier a paixão do ciúme, possa estar
o veneno da morte. O que sobreviver se sentirá vingado. Mas para sempre
sozinho. “Porque só esta mulher era sua inimiga, só este homem era seu inimigo,
e eles se tinham escolhido para a dança.”
Então, “Andaluzia
e Flamenco” é um roteiro
fantástico para começar a Espanha. A partir de agora, teremos um tour por cidades
de Andaluzia feitos por mim e amigos que também descobriram e se apaixonaram
pela Andaluzia e flamenco. Porém, não é necessário ser um aficionado pelo Flamenco para
conhecer Andaluzia. A região é rica de história, gastronomia, vinhos, musica,
arquitetura, enfim...tudo isso associado à alegria do povo andaluz. Para
começar essa viagem, sugiro algumas “coisitas” que considero importantes para
você preparar seu plano voo, pois é certo que depois daqui, a Andaluzia será
seu próximo destino!
1. Se
for pela primeira vez e não estiver seguro, vá com um grupo e com um guia.
2. Se
for sozinho e tem receio de não se socializar, inclua cursos na região :
espanhol, flamenco, história. Em cada cidade, tem uma escola interessante para iniciantes. Além de permitir vivenciar a cidade, você ainda fará
amigos e turismo.
3.
Programe
pelo menos de 01 a 02 noites em cada cidade e faça uma rota de visitação aos
pontos de seu interesse. Compre um guia da região de Andaluzia que é bem
didático. Nos hotéis sempre tem mapas com roteiros para caminhar e descobrir cada
cidade.
4. Apesar
de ser a região menos desenvolvida economicamente de toda a Espanha, é a região
mais alegre e viva. Vá preparado para viver os dias e as noites em Andaluzia.
Há muita boemia!
5. A
região pode ser desbravada de ônibus, trem e carro. Muito segura, mesmo para
pessoas sozinhas. E você pode comprar na hora ou com antecedência por internet .
6. A
culinária é forte : muito pescado frito e carne de porco. É uma culinária para
“dar energia”. Muita gente costuma “tapear” ao invés de “almoçar”....isso quer
dizer...de bar em bar “beliscando e bebendo” . Mas nos restaurantes tem pratos
do dia com preços acessíveis.
7. Aproveite
bem os vinhos da casa, a sangria, o tinto de verano, o Tio Pepe, a Manzanilla, o
Jerez....são bebidas típicas e diferentes que não tem o mesmo sabor no Brasil.
8.
O
horário da “siesta” é sagrado, seja no inverno ou no verão.
9. A
melhor estação para ser visitada depende de você. Já estive no inverno e
verão...amei as duas estações, mas são momentos bem diferentes.
10. As compras boas da região são os de
artesanatos típicos. Por ser uma região árabe, também tem mercados de
especiarias. Cada cidade tem a sua “calle larga” com uma oferta de comércio mais
cosmopolita e grandes marcas da Europa. Para os que gostam de shoppings Center,
tem o famoso “El Corte Inglês” . O que mais gosto de trazer são as gravuras
flamencas que viram quadros preciosos para presentes.
11.Gosto de ler sobre o local em livros
romances. Recomendo “ O Rertorno”
para quem quer começar a pensar em ir à Andaluzia.
12.Planeje uma mala confortável se
pretende seguir por mais de uma cidade em Andaluzia utilizando ônibus ou trem.
Os espaços para bagagem nesses meios de transporte são pequenos.
13. E
o que considero mais importante e fundamental : desconstrua a imagem de ciganos que temos no Brasil.
Esse povo foi desconfigurado por interesses políticos e religiosos na época da
Inquisição. A figura do bandoleiro não é exclusiva do cigano, mas de todos
aqueles que foram excluídos e se tornaram foragidos. Observe o quanto esse povo
é educado, humano e alegre quando estiver em Andaluzia. Para conhecer um pouco
mais sobre sua história, acesse... e descubra que a lenda não existe!
Eles são reais e como nós.
Belíssimo texto de Clarice Lispector... Ainda não tinha lido e realmente, leva aos curiosos a intensidade do Flamenco.
ResponderExcluirÉ verdade prima....só uma alma sensível como a da Clarice poderia poderia transmitir essa intensidade.....sem sombra de duvida ela conseguiu penetrar na essência....bjs
ResponderExcluirsei que amo o flamenco desde tempos remotos de outras passagens pela andaluzia da idade média kk
ResponderExcluirTemos algo em comum, caro José fernando!
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