GRANADA ESPANHA ....Voltando para casa
Ao
todo foram 4 vezes em Granada. Se é verdade que cada um tem seu local de
paixão, o meu, definitivamente, é Andaluzia e mais precisamente, Granada. Não
tenho uma explicação porque essa cidade exerce tanta influência sobre mim. Granada é uma mistura viva e intensa de
árabes, ciganos e judeus. Ainda não se sabe se Granada tem Alhambra ou Alhambra
tem Granada...mas certo e fato é que quem a conhece, não esquece jamais. Se
divide em 02 partes distintas: a partir da Plaza Nueva, encontramos o Bairro de
Albaycin, Sacromonte e Alhambra imersas numa história da época dos mouros e
católicos, onde árabes, judeus e ciganos se mesclaram para sobreviver, e, por
conseguinte, surge daí o flamenco. Depois da Plaza Nueva (descendo a Gran Vía),
a cidade toma forma de modernidade com o centro comercial e a Catedral, cuja
realidade é mais próxima do que estamos acostumados, misturando o novo e o
antigo da arquitetura.
Desta
vez minha ideia foi uma imersão no mundo flamenco com uma programação de 3
horas diárias de aulas por 2 semanas na Escola Carmen Cuevas . A escola oferece cursos de espanhol,
guitarra flamenca, história de flamenco e baile/técnica flamenco. A qualidade é
comprovada pela frequência de alunos de toda parte do mundo, pois abraça o
turista que quer viver um pouco de Andaluzia, atendendo aos vários tipos de
necessidades. Além disso, oferece também alojamentos (aptos. ou casas) e o mais
importante: pessoas de todas as idades estão aqui!
Além
das aulas, fui buscar e experimentar coisas novas em Granada, onde tive a chance
de desfrutá-la calmamente no calor de um verão intenso com temperatura próxima
aos 44 graus. A cidade ferve em todos os sentidos nessa época: muitos jovens,
estudantes em férias, turistas de passagem, pessoas alternativas e sem rumo,
tudo isso e uma vontade imensa de ficar parada, observando e deixando o ar de
Granada falar. Vi e conheci pessoas (muitos brasileiros) que estavam “de
passagem por Granada”, arrependidos de não terem tido informações prévias sobre
a riqueza cultural do local e extasiadas com tanta coisa que não poderia ser
vista ou vivida, porque estavam de passagem...e gente...passagem em Granada não
dá para ser feita numa tarde (vamos combinar né?) ...então, amigos, por favor,
mesmo de passagem, reservem pelo menos 2 dias/3 noites para Granada. Garanto
que será uma experiência única.
Vivendo Granada
Fiquei
hospedada na Plaza Nueva, no hotel Maciá
Plaza um ponto estratégico que divide a
Granada rustica da moderna. Seguia diariamente para Albaycin (uns 3kms), passando
por Alhambra TODOS OS DIAS e cada
dia via uma Alhambra diferente. As noites foram para os shows de flamenco e
tapear nos bares, sem pressa. Essa é uma coisa importante: não tenha pressa e
todos seus sentidos estarão extremamente aguçados. Deixe Granada entrar em
você. Numa
noite dessas, fui ao Hamman Andalusi
de Granada. Fica numa rua no início da
Carrera del Darro. Foi providencial fazê-lo à noite depois de 1
dia intenso de aulas.
Uma pausa ao estilo árabe, permitindo-me banhos de
temperaturas distintas, massagens e o típico chá de menta. Apesar de ser misto
(homens e mulheres juntos), todos estão em trajes de banhos e não há
“conversas” para não atrapalhar o momento de descanso e meditação. O local, com
arquitetura tipicamente árabe, a musica ambiente que envolve o silencio e a
iluminação (sempre penumbra), tudo isso nos deixa anônimos, quietos e
meditativos. Fazer um hamman é uma experiência de pura luxuria e muito contato
consigo mesmo. As vozes internas ficam nítidas e a mente clara. Um tempo de reflexão
e relaxamento. Além disso, estar em Granada é permitir-se ao desfrute,
deixando-se esquecer o presente e viajar num tempo de pequenos prazeres que os
árabes já tinham há milhares de anos atrás.... Ah! Isso não tem preço.
Ali,
bem pertinho da Plaza Nueva, tem a
concentração de restaurantes e teterias (casas de chá) árabes e o Mercado Árabe - La Alcaicería (onde foi
uma antiga medina muçulmana). O local fica entre ruas estreitas cobertas por
“tendas” árabes onde pode-se comprar um típico artesanato e ainda parar para um
chá. Durante as noites de verão o mercado ferve no vai-e-vem de turistas loucos
com o artesanato local.
Aos pés de Alhambra
Durante
o dia, nada melhor que ficar aos pés de Alhambra, contemplando a suntuosidade e
a delicadeza desse palácio, cujo reino foi marcado pela tolerância religiosa de
1200 até 1492, quando a cidade foi conquistada pelos reis católicos. Contemplá-la,
ouvindo o barulho do rio e o vento nas árvores, faz de Alhambra uma rainha.
Programa especial é jantar num dos restaurantes no Paseo de Los Tristes, sob a vista do Palácio e imaginando
histórias. Descobri que existe a visita dentro dos palácios à noite, com uma
perspectiva bem diferente dos passeios durante o dia. É permitido visitar os Palácios
e admirar a arquitetura contornada pela luz da noite e a penumbra dos jardins. E
nessa noite era lua cheia e a cada ambiente visitado, imaginei e
invejei Washington Irving escrevendo
seus contos....e os barulhos? A mistura da água das fontes, do vento leve de
verão, faz com que Alhambra seja uma orquestra ouvida, sentida e desejada.
Albaycin é um pedaço histórico dos mais
importantes de Granada que mostra a presença árabe na arquitetura de suas ruas
e casas com seus jardins que exalam jasmim. A escola fica no coração de
Albaycin. Subir suas ladeiras no silencio do calor escaldante e mortal, passando
pelas casas que tão brancas refletem a luz que num momento confundem os olhos,
explica porque no verão todos ficam trancados em suas casas, no frescor de seus
jardins. De repente, entre uma ladeira e outra, aparecem praças como oásis com
seus pequenos restaurantes e um bom local para descanso. E a vontade é nunca
mais sair de lá, até o calor acabar. Passagem obrigatória para a
melhor foto da vista de Alhambra e terminar a visita ao bairro, é chegar ao Mirador San Nicholas.
Sacromonte
merece ser visitada de manhã cedo. A subida é forte, mas a vista e a caminhada
são revigorantes. Está de frente com Alhambra
e as “cuevas” abrigaram muçulmanos, judeus e ciganos, na época da
perseguição católica. O Museu de Sacromonte mantém preservado um espaço típico
dos costumes da comunidade cigana. À noite em Sacromonte, pode ter flamenco ou
cine ao ar livre, enfim...subir Sacromonte, é passar pelas cuevas que foram
Zambras e que hoje oferecem shows para Turistas com o que Granada tem de mais
representativo de flamenco. É preciso
seguir para a Abadia de Sacromonte construída no séc. XVII, sob o lugar que
foram encontradas relíquias do apóstolo Santiago Maior e os famosos livros
plúmbeos (polêmicos até hoje), que são placas em escrita árabe que relatavam o
martírio de São Cecílio e seus companheiros numa fusão de relatos cristãos e muçulmanos.
As noites de Granada
Nada
melhor do que sair de bar em bar. Na própria Plaza Nueva, as opções são
imensas, mas é no bairro de Realejo (Campo Príncipe) que as tabernas e bares se
concentram numa variedade e preços justos. Em Granada, é muito comum ter a
“tapa” acompanhada com a bebida, ou seja, paga bebida e come de graça!. Então,
a desculpa para beber é mais do que saudável: com certeza haverá comida.
Ninguém fica de estômago vazio. Claro que quando estamos muito tempo num lugar,
elegemos aquele ponto frequente, que no caso foi a "La Gran Taberna"...porque essa?
Bem, em frente ao hotel e era o único bar aberto com comida depois dos shows de
flamenco....parada obrigatória
Flamenco em Granada – Com minha licença
poética....
Falar
do estilo de flamenco de Granada para mim é mais que importante. Apesar do
flamenco de Granada não ter tanta visibilidade fora de lá, foi aqui que eu vi o
estilo que mais me encantou e me identifiquei: eu chamo do estilo terra, que
dança meio que agarrado ao chão.... Tudo é muito rustico, provavelmente não tem
tanta técnica e sofisticação como em outras cidades, porque os gestos são fortes
e toscos, o floreio lembra as mulheres do campo, os movimentos do corpo são
brutos, o sapateado é “terra”, as roupas não se combinam em nada mesmo, a
maquiagem exagerada hipnotiza: olhos pretos rasgados e lábios vermelhos. Os
homens são bem “ciganos” e muito sensuais, com os olhos daqueles bem
“cafajestes”, sabe? Pois então. Esse flamenco veio das Zambras.....e só em
Granada tem Zambras...que quer dizer ruído, baile acompanhado de cante com
instrumentos. Era uma expressão usada quando se cantava e bailava nas festas de
casamento, religiosas, etc. As Zambras começaram em Sacromonte com os mouros e
ciganos e somente a partir de 1820 com os viajantes franceses da época romântica,
Washington Irving e outros intelectuais da época, que Granada e suas Zambras
ficaram conhecidas por toda Europa. Eram artistas, escritores, intelectuais que
cruzavam a Europa para conhecer as Zambras de Granada. Das várias surgidas no
séc. XVI, somente a La Rocío e a Canastera ainda existem e as famílias daquela
época (ciganas) que mais disseminaram as Zambras para o mundo foram os
Heredias, Amaya, Maya, Cortés, Fernandez, Fajardo, Bustamente e Carmona. É gratificante
presenciar as novas gerações perpetuando o que seus antepassados fundaram.
Alguns ainda estão vinculados às cuevas de Sacromonte. Muitos são dessas famílias
ciganas, outros adotaram essa cultura. O que importa mesmo é que a cultura está
preservada com ares mais joviais e nessas 2 semanas de imersão total, conheci
alguns bailaores (as) que fazem isso com muita paixão e simplicidade, mostrando
o flamenco de Granada com toda sua força e razão de ser:
PILAR FAJARDO, minha maestra mais que especial,
pois foi a 1ª. quando estive em Granada para aulas de flamenco em 2008 e sigo
inspirada com seu estilo. Pilar tem uma simpatia típica e o flamenco mais puro
que alguém pode presenciar. Tem um aire próprio. Ela é de Algeciras (Cádiz) e foi
aprendiz de Antonio el Pipa, Maria del Mar
Moreno, Angelita Gómez, Mercedez Ruiz, Yolanda Heredia, Andrés Peña, Belén
Maya, Rafaela Carrasco e Mario Maya.
Além de ser uma maestra da Carmen
Cuevas, Pilar pode ser vista bailando em locais de flamenco à noite.
Recomendo Le Chien Andalou onde Pilar baila como se estivesse em
casa. Um local alternativo e tão pequeno que dá para sentir sua respiração a
cada momento. Pilar quando baila exala sensualidade e leveza, conectada com a
terra. Não tem uma pessoa que não fique hipnotizado e envolvido pela forma de
bailar dessa cigana. E a cada arremate ou uma sequencia de sapateado, é como se
voltasse no tempo e víssemos ali a mais pura expressão de um flamenco cigano.
ESTEFANIA MARTINEZ PUYOL foi minha maestra agora. Tem na sua
formação o flamenco e o clássico espanhol, o que torna seu baile peculiar: a
mistura dessas influências enriqueceram de tal forma seu estilo que não dá para
separar a bailarina da bailaora. Pessoalmente, uma menina doce e aparentemente
frágil. No palco, uma mulher cujos olhos dançam e seus braços se movem de tal
forma que parecem voar e num suspiro, vem uma força que não se sabe de onde. Estefania
tem uma técnica perfeita e se transforma assim que pisa no tablado de Venta los Gallo.
MARI CARMEN GUERRERO, a grande maestra é de Albayzín. Que
sorte ter tido aulas com ela. Nasceu no meio dos grandes do flamenco. Cresceu
nos tablados, foi aluna de Manolete, Mariquilla, La Presy, Adela Campallo,
Pastora Galván, Manuel Liñan...essa é grande mesmo e sua paixão vê-se refletida
na sua própria filha: Patricia Guerrero.
Mari Carmen tem uma didática muito típica e pessoal, pois o flamenco flui em
seu corpo com uma obviedade impressionante. Ao ensinar, não tem quem não
acredite que não possa dançar. Uma maestra especial que (infelizmente) não
encontramos nas noites de Granada bailando, mas encontramos na escola como uma
das mais importantes maestras. Maestra, te reverencio!
PATRICIA GUERRERO, filha de Mari Carmen Guerrero, nasceu
em Granada. Uma revelação sem precedentes, uma menina que está deixando um
legado importantíssimo para o flamenco. Aprendeu com sua mãe, claro, mas também
com La Presy, Mario Maya, Belén Maya,
Rafaela Carrasco e Juan Andrés Maya. Patricia leva para todo o mundo um
flamenco forte, técnico e de movimentos perfeitos. Apesar da aparente
fragilidade de menina, quando baila, cresce e se transforma numa bailaora, onde
todas as histórias parecem contadas em seu baile. Patricia carrega a história e
abre um caminho para o novo.
ADRIAN SANCHEZ é de Granada e teve sua formação na
escola de Mariquilla. Fundou sua própria
Cia. Em 1995 – Taracea e atualmente tem uma escola em Granada. Adrian é um
atleta flamenco que acompanhou Patricia
Guerrero na Casa del Arte Flamenco
, deixando uma marca única. Quando baila sua uma técnica limpa e seu
sapateado de luxo, a sensação é que ele está andando sobre água, de tão leve, elegante
e sedutor.
IVAN VARGAS HEREDIA, um diamante bruto e intenso. Vi esse rapaz em “Los Veranos de Corral” com seu espetáculo “Yo Mismo”. Um menino cigano típico de cueva. Nascido em Sacromonte,
na cueva “La Rocío” onde inicio o flamenco no seio de sua família “Los Maya”.
Esse rapaz é sobrinho de Juan Andres Maya, representando uma dinastia de
flamenco das mais importante de Granada : Manolete, Juan Andrés Maya, Mario
Maya e Juan Maya “Marote”. O espetáculo “Yo
Mismo” não poderia ser melhor descrito : ele dança “ele”, flamenco de cueva.
Simples e tão preso nas suas raízes. Puro, romântico, sedutor e forte... Olé
Ivan!
ALBERTO SELLES, jovem bailaor que já tem um espaço
garantido no mundo flamenco. Foi discípulo de Angelita Gómez e Patricia Ibáñez
em Jerez, se formou e se desenvolveu com Juan Ogalla, La Moneta, Farruquito,
Javier Barón, Úrsula López, Rafael Campallo, Andrés Peña e Andrés Marín. Seu
show em “Los Veranos de Corral” teve
a preciosa participação de Javier Barón.
Foi indescritível ver a criatura e o criador, bailando juntos. O tradicional e
o moderno se complementando. Ambos com a mesma paixão e bailando um para o
outro, sem se importarem com mais nada em volta deles. Os movimentos de Alberto
Selles são perfeitos e a sua sintonia com Javier o coloca num patamar dos
grandes mesmo, pois a cumplicidade de ambos deixa a plateia de boca aberta.
Alberto é sofisticado e já é uma referência no universo flamenco.
FUENSANTA LA MONETA, de Granada, também começou na escola de Mariquilla e seguiu tendo
aulas com Antonio Vallejo, Juan Andrés Maya y Manolete. Durante muito tempo se
estacou no baile da cueva de Sacromonte «La Rocío». Conheci seu baile no show
do Generalife com o Espetáculo “El
Duende”, local de grande evento e de outra perspectiva, bem diferente das
cuevas/zambras. Percebe-se que por mais trabalhada que seja seu baile, ela não
conseguiu (graças a Deus) deixar o estilo de Granada, e mesmo vendo-a bailar
bem de longe, sua rusticidade e a raiz de uma Cueva gritam e ela torna-se maior
que Generalife.
E foi
assim que pela 4ª. vez vi Granada...e pensando muito sobre a paixão de viajar e pelo flamenco,
me deparei com um único medo que me assombra atualmente : medo de não me
deslumbrar com as descobertas, encontros e reencontros. Não existe nada tão
frustrante e deprimente quanto esse medo de não me surpreender com as coisas
que a vida oferece. Nem sempre temos a vida que sonhamos, mas seguramente podemos
fazê-la com emoção e vivê-la intensamente e por isso, quando passava sob os pés
de Alhambra diariamente, entendia a grandiosidade do homem e a tolerância de
Deus.
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Agradeço seu comentário. Andrea Pires