sábado, 28 de setembro de 2013

GRANADA ESPANHA ....Voltando para casa

Ao todo foram 4 vezes em Granada. Se é verdade que cada um tem seu local de paixão, o meu, definitivamente, é Andaluzia e mais precisamente, Granada. Não tenho uma explicação porque essa cidade exerce tanta influência sobre mim.  Granada é uma mistura viva e intensa de árabes, ciganos e judeus. Ainda não se sabe se Granada tem Alhambra ou Alhambra tem Granada...mas certo e fato é que quem a conhece, não esquece jamais. Se divide em 02 partes distintas: a partir da Plaza Nueva, encontramos o Bairro de Albaycin, Sacromonte e Alhambra imersas numa história da época dos mouros e católicos, onde árabes, judeus e ciganos se mesclaram para sobreviver, e, por conseguinte, surge daí o flamenco. Depois da Plaza Nueva (descendo a Gran Vía), a cidade toma forma de modernidade com o centro comercial e a Catedral, cuja realidade é mais próxima do que estamos acostumados, misturando o novo e o antigo da arquitetura.
Desta vez minha ideia foi uma imersão no mundo flamenco com uma programação de 3 horas diárias de aulas por 2 semanas na Escola Carmen Cuevas . A escola oferece cursos de espanhol, guitarra flamenca, história de flamenco e baile/técnica flamenco. A qualidade é comprovada pela frequência de alunos de toda parte do mundo, pois abraça o turista que quer viver um pouco de Andaluzia, atendendo aos vários tipos de necessidades. Além disso, oferece também alojamentos (aptos. ou casas) e o mais importante: pessoas de todas as idades estão aqui!
Além das aulas, fui buscar e experimentar coisas novas em Granada, onde tive a chance de desfrutá-la calmamente no calor de um verão intenso com temperatura próxima aos 44 graus. A cidade ferve em todos os sentidos nessa época: muitos jovens, estudantes em férias, turistas de passagem, pessoas alternativas e sem rumo, tudo isso e uma vontade imensa de ficar parada, observando e deixando o ar de Granada falar. Vi e conheci pessoas (muitos brasileiros) que estavam “de passagem por Granada”, arrependidos de não terem tido informações prévias sobre a riqueza cultural do local e extasiadas com tanta coisa que não poderia ser vista ou vivida, porque estavam de passagem...e gente...passagem em Granada não dá para ser feita numa tarde (vamos combinar né?) ...então, amigos, por favor, mesmo de passagem, reservem pelo menos 2 dias/3 noites para Granada. Garanto que será uma experiência única.
Vivendo Granada
Fiquei hospedada na Plaza Nueva, no hotel Maciá Plaza um ponto estratégico que divide a Granada rustica da moderna. Seguia diariamente para Albaycin (uns 3kms), passando por Alhambra TODOS OS DIAS e cada dia via uma Alhambra diferente. As noites foram para os shows de flamenco e tapear nos bares, sem pressa. Essa é uma coisa importante: não tenha pressa e todos seus sentidos estarão extremamente aguçados. Deixe Granada entrar em você.  Numa noite dessas, fui ao Hamman Andalusi de Granada. Fica numa rua no início da Carrera del Darro. Foi providencial fazê-lo à noite depois de 1 dia intenso de aulas.
Uma pausa ao estilo árabe, permitindo-me banhos de temperaturas distintas, massagens e o típico chá de menta. Apesar de ser misto (homens e mulheres juntos), todos estão em trajes de banhos e não há “conversas” para não atrapalhar o momento de descanso e meditação. O local, com arquitetura tipicamente árabe, a musica ambiente que envolve o silencio e a iluminação (sempre penumbra), tudo isso nos deixa anônimos, quietos e meditativos. Fazer um hamman é uma experiência de pura luxuria e muito contato consigo mesmo. As vozes internas ficam nítidas e a mente clara. Um tempo de reflexão e relaxamento. Além disso, estar em Granada é permitir-se ao desfrute, deixando-se esquecer o presente e viajar num tempo de pequenos prazeres que os árabes já tinham há milhares de anos atrás.... Ah! Isso não tem preço.

Ali, bem pertinho da Plaza Nueva, tem a concentração de restaurantes e teterias (casas de chá) árabes e o Mercado Árabe - La Alcaicería (onde foi uma antiga medina muçulmana). O local fica entre ruas estreitas cobertas por “tendas” árabes onde pode-se comprar um típico artesanato e ainda parar para um chá. Durante as noites de verão o mercado ferve no vai-e-vem de turistas loucos com o artesanato local.



Aos pés de Alhambra 
Durante o dia, nada melhor que ficar aos pés de Alhambra, contemplando a suntuosidade e a delicadeza desse palácio, cujo reino foi marcado pela tolerância religiosa de 1200 até 1492, quando a cidade foi conquistada pelos reis católicos. Contemplá-la, ouvindo o barulho do rio e o vento nas árvores, faz de Alhambra uma rainha. Programa especial é jantar num dos restaurantes no Paseo de Los Tristes, sob a vista do Palácio e imaginando histórias. Descobri que existe a visita dentro dos palácios à noite, com uma perspectiva bem diferente dos passeios durante o dia. É permitido visitar os Palácios e admirar a arquitetura contornada pela luz da noite e a penumbra dos jardins. E nessa noite era lua cheia e a cada ambiente visitado, imaginei e invejei Washington Irving escrevendo seus contos....e os barulhos? A mistura da água das fontes, do vento leve de verão, faz com que Alhambra seja uma orquestra ouvida, sentida e desejada.


 Albaycin 
 Albaycin é um pedaço histórico dos mais importantes de Granada que mostra a presença árabe na arquitetura de suas ruas e casas com seus jardins que exalam jasmim. A escola fica no coração de Albaycin. Subir suas ladeiras no silencio do calor escaldante e mortal, passando pelas casas que tão brancas refletem a luz que num momento confundem os olhos, explica porque no verão todos ficam trancados em suas casas, no frescor de seus jardins. De repente, entre uma ladeira e outra, aparecem praças como oásis com seus pequenos restaurantes e um bom local para descanso. E a vontade é nunca mais sair de lá, até o calor acabar. Passagem obrigatória para a melhor foto da vista de Alhambra e terminar a visita ao bairro, é chegar ao Mirador San Nicholas.









As cuevas de Sacromonte 
Sacromonte merece ser visitada de manhã cedo. A subida é forte, mas a vista e a caminhada são revigorantes. Está de frente com Alhambra e as “cuevas” abrigaram muçulmanos, judeus e ciganos, na época da perseguição católica. O Museu de Sacromonte mantém preservado um espaço típico dos costumes da comunidade cigana. À noite em Sacromonte, pode ter flamenco ou cine ao ar livre, enfim...subir Sacromonte, é passar pelas cuevas que foram Zambras e que hoje oferecem shows para Turistas com o que Granada tem de mais representativo de flamenco.  É preciso seguir para a Abadia de Sacromonte construída no séc. XVII, sob o lugar que foram encontradas relíquias do apóstolo Santiago Maior e os famosos livros plúmbeos (polêmicos até hoje), que são placas em escrita árabe que relatavam o martírio de São Cecílio e seus companheiros numa fusão de relatos cristãos e muçulmanos. 

As noites de Granada 

Nada melhor do que sair de bar em bar. Na própria Plaza Nueva, as opções são imensas, mas é no bairro de Realejo (Campo Príncipe) que as tabernas e bares se concentram numa variedade e preços justos. Em Granada, é muito comum ter a “tapa” acompanhada com a bebida, ou seja, paga bebida e come de graça!. Então, a desculpa para beber é mais do que saudável: com certeza haverá comida. Ninguém fica de estômago vazio. Claro que quando estamos muito tempo num lugar, elegemos aquele ponto frequente, que no caso foi a "La Gran Taberna"...porque essa? Bem, em frente ao hotel e era o único bar aberto com comida depois dos shows de flamenco....parada obrigatória 
Flamenco em Granada – Com minha licença poética.... 
 Falar do estilo de flamenco de Granada para mim é mais que importante. Apesar do flamenco de Granada não ter tanta visibilidade fora de lá, foi aqui que eu vi o estilo que mais me encantou e me identifiquei: eu chamo do estilo terra, que dança meio que agarrado ao chão.... Tudo é muito rustico, provavelmente não tem tanta técnica e sofisticação como em outras cidades, porque os gestos são fortes e toscos, o floreio lembra as mulheres do campo, os movimentos do corpo são brutos, o sapateado é “terra”, as roupas não se combinam em nada mesmo, a maquiagem exagerada hipnotiza: olhos pretos rasgados e lábios vermelhos. Os homens são bem “ciganos” e muito sensuais, com os olhos daqueles bem “cafajestes”, sabe? Pois então. Esse flamenco veio das Zambras.....e só em Granada tem Zambras...que quer dizer ruído, baile acompanhado de cante com instrumentos. Era uma expressão usada quando se cantava e bailava nas festas de casamento, religiosas, etc. As Zambras começaram em Sacromonte com os mouros e ciganos e somente a partir de 1820 com os viajantes franceses da época romântica, Washington Irving e outros intelectuais da época, que Granada e suas Zambras ficaram conhecidas por toda Europa. Eram artistas, escritores, intelectuais que cruzavam a Europa para conhecer as Zambras de Granada. Das várias surgidas no séc. XVI, somente a La Rocío e a Canastera ainda existem e as famílias daquela época (ciganas) que mais disseminaram as Zambras para o mundo foram os Heredias, Amaya, Maya, Cortés, Fernandez, Fajardo, Bustamente e Carmona. É gratificante presenciar as novas gerações perpetuando o que seus antepassados fundaram. Alguns ainda estão vinculados às cuevas de Sacromonte. Muitos são dessas famílias ciganas, outros adotaram essa cultura. O que importa mesmo é que a cultura está preservada com ares mais joviais e nessas 2 semanas de imersão total, conheci alguns bailaores (as) que fazem isso com muita paixão e simplicidade, mostrando o flamenco de Granada com toda sua força e razão de ser:
PILAR FAJARDO, minha maestra mais que especial, pois foi a 1ª. quando estive em Granada para aulas de flamenco em 2008 e sigo inspirada com seu estilo. Pilar tem uma simpatia típica e o flamenco mais puro que alguém pode presenciar. Tem um aire próprio. Ela é de Algeciras (Cádiz) e foi aprendiz de Antonio el Pipa,  Maria del Mar Moreno, Angelita Gómez, Mercedez Ruiz, Yolanda Heredia, Andrés Peña, Belén Maya, Rafaela Carrasco e Mario Maya.  Além de ser uma maestra da Carmen Cuevas, Pilar pode ser vista bailando em locais de flamenco à noite. Recomendo Le Chien Andalou onde Pilar baila como se estivesse em casa. Um local alternativo e tão pequeno que dá para sentir sua respiração a cada momento. Pilar quando baila exala sensualidade e leveza, conectada com a terra. Não tem uma pessoa que não fique hipnotizado e envolvido pela forma de bailar dessa cigana. E a cada arremate ou uma sequencia de sapateado, é como se voltasse no tempo e víssemos ali a mais pura expressão de um flamenco cigano.
ESTEFANIA MARTINEZ PUYOL foi minha maestra agora. Tem na sua formação o flamenco e o clássico espanhol, o que torna seu baile peculiar: a mistura dessas influências enriqueceram de tal forma seu estilo que não dá para separar a bailarina da bailaora.  Pessoalmente, uma menina doce e aparentemente frágil. No palco, uma mulher cujos olhos dançam e seus braços se movem de tal forma que parecem voar e num suspiro, vem uma força que não se sabe de onde. Estefania tem uma técnica perfeita e se transforma assim que pisa no tablado de Venta los Gallo.
MARI CARMEN GUERRERO, a grande maestra é de Albayzín. Que sorte ter tido aulas com ela. Nasceu no meio dos grandes do flamenco. Cresceu nos tablados, foi aluna de Manolete, Mariquilla, La Presy, Adela Campallo, Pastora Galván, Manuel Liñan...essa é grande mesmo e sua paixão vê-se refletida na sua própria filha: Patricia Guerrero. Mari Carmen tem uma didática muito típica e pessoal, pois o flamenco flui em seu corpo com uma obviedade impressionante. Ao ensinar, não tem quem não acredite que não possa dançar. Uma maestra especial que (infelizmente) não encontramos nas noites de Granada bailando, mas encontramos na escola como uma das mais importantes maestras. Maestra, te reverencio!
PATRICIA GUERRERO, filha de Mari Carmen Guerrero, nasceu em Granada. Uma revelação sem precedentes, uma menina que está deixando um legado importantíssimo para o flamenco. Aprendeu com sua mãe, claro, mas também com  La Presy, Mario Maya, Belén Maya, Rafaela Carrasco e Juan Andrés Maya. Patricia leva para todo o mundo um flamenco forte, técnico e de movimentos perfeitos. Apesar da aparente fragilidade de menina, quando baila, cresce e se transforma numa bailaora, onde todas as histórias parecem contadas em seu baile. Patricia carrega a história e abre um caminho para o novo.
ADRIAN SANCHEZ é de Granada e teve sua formação na escola de  Mariquilla. Fundou sua própria Cia. Em 1995 – Taracea e atualmente tem uma escola em Granada. Adrian é um atleta flamenco que acompanhou Patricia Guerrero na Casa del Arte Flamenco , deixando uma marca única.  Quando baila sua uma técnica limpa e seu sapateado de luxo, a sensação é que ele está andando sobre água, de tão leve, elegante e sedutor.  
IVAN VARGAS HEREDIA, um diamante bruto e intenso. Vi esse rapaz em “Los Veranos de Corral” com seu espetáculo “Yo Mismo”. Um menino cigano típico de cueva. Nascido em Sacromonte, na cueva “La Rocío” onde inicio o flamenco no seio de sua família “Los Maya”. Esse rapaz é sobrinho de Juan Andres Maya, representando uma dinastia de flamenco das mais importante de Granada : Manolete, Juan Andrés Maya, Mario Maya e Juan Maya “Marote”. O espetáculo “Yo Mismo” não poderia ser melhor descrito : ele dança “ele”, flamenco de cueva. Simples e tão preso nas suas raízes. Puro, romântico, sedutor e forte... Olé Ivan!
ALBERTO SELLES, jovem bailaor que já tem um espaço garantido no mundo flamenco. Foi discípulo de Angelita Gómez e Patricia Ibáñez em Jerez, se formou e se desenvolveu com Juan Ogalla, La Moneta, Farruquito, Javier Barón, Úrsula López, Rafael Campallo, Andrés Peña e Andrés Marín. Seu show em “Los Veranos de Corral” teve a preciosa participação de Javier Barón. Foi indescritível ver a criatura e o criador, bailando juntos. O tradicional e o moderno se complementando. Ambos com a mesma paixão e bailando um para o outro, sem se importarem com mais nada em volta deles. Os movimentos de Alberto Selles são perfeitos e a sua sintonia com Javier o coloca num patamar dos grandes mesmo, pois a cumplicidade de ambos deixa a plateia de boca aberta. Alberto é sofisticado e já é uma referência no universo flamenco.
FUENSANTA LA MONETA, de Granada, também começou na escola de Mariquilla e seguiu tendo aulas com Antonio Vallejo, Juan Andrés Maya y Manolete. Durante muito tempo se estacou no baile da cueva de Sacromonte «La Rocío». Conheci seu baile no show do Generalife com o Espetáculo “El Duende”, local de grande evento e de outra perspectiva, bem diferente das cuevas/zambras. Percebe-se que por mais trabalhada que seja seu baile, ela não conseguiu (graças a Deus) deixar o estilo de Granada, e mesmo vendo-a bailar bem de longe, sua rusticidade e a raiz de uma Cueva gritam e ela torna-se maior que Generalife.
E foi assim que pela 4ª. vez vi Granada...e pensando muito sobre a paixão de viajar e pelo flamenco, me deparei com um único medo que me assombra atualmente : medo de não me deslumbrar com as descobertas, encontros e reencontros. Não existe nada tão frustrante e deprimente quanto esse medo de não me surpreender com as coisas que a vida oferece. Nem sempre temos a vida que sonhamos, mas seguramente podemos fazê-la com emoção e vivê-la intensamente e por isso, quando passava sob os pés de Alhambra diariamente, entendia a grandiosidade do homem e a tolerância de Deus.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Agradeço seu comentário. Andrea Pires

Visite Brasília

Andrea Pires

Com Salto&Asas é um lugar de verdade, onde compartilho as memórias das viagens que mudaram minha vida e que me transformam diariamente. Sonhar, Planejar e Realizar, o melhor caminho para ter o Mundo nas Mãos! comsaltoeasas@gmail.com

Adquira aqui seu e-book