A intensidade do caminho do meio – Jalapão – Tocantins - TO
Percorrer 1000 km de estrada de terra em 4 dias no meio do Brasil é para mulheres que querem viajar sozinhas, sim!
Destino
que leva para dentro do cerrado e da terra vermelha, repleto de histórias
perdidas, esse é o Jalapão, bem ali, do ladinho do Pará, Mato Grosso, Piauí, Maranhão
e Bahia e reina soberano no meio de tudo. Dias
intensos de natureza rustica e muita terra vermelha. Vá ao Jalapão
se você quer encontrar: 1. Simpatia
e acolhimento: ô povo simpático!, 2. Capim
dourado em tudo, 3. Comida
caseira e deliciosa, 4. Hospedagens
simples e muito bem cuidadas: parece casa de vó! 5. Estradas
de terra sempre, 6. Calor
e muita água para se refrescar, 7. Noites
para descanso e 8. Total
desconexão com a vida urbana
No
Jalapão, o tempo corre como a natureza manda e o percurso é intenso e sem atalhos
nas estradas. Como dizem no Jalapão: coração de jalapeiro não bate: trepida!
Como chegar?
Chegar
em Palmas é muito familiar para quem é de Brasília: a natureza sobrevivendo ao
período de seca e uma cidade projetada, com ares de menina, que surgiu a partir
da divisão do Goiás e criação do Estado do Tocantins (1988). Porém, Tocantins pertence
à região norte do país, e não ao Centro-Oeste.
Na
chegada já dá para sentir que a cidade é convite para uma nova vida, uma nova história,
deixando passados sombrios para trás. Palmas parece uma cidade para recomeçar.
A
distância do aeroporto até o hotel Lago da Palma é cerca de 22km. No percurso engatei uma boa conversa com o
taxista, porque não consigo ficar de “boca fechada”. Essa foi minha 1ª.
Impressão do Tocantins, com o senhor taxista que abriu um sorriso enorme e me
resumiu sua vida assim: “Na juventude a gente pensa que vai repetir
sempre a facilidade de alcançar sucesso e dinheiro e a gente leva uma rasteira
da vida"
Ele
chegou no interior de Goiás muito jovem e se tornou garimpeiro. Entre dinheiro
e mulheres, viveu a prosperidade e a escassez, na mesma rapidez e proporção. Hoje,
com aparência de mais de 70 anos, recomeçava a vida em Palmas, depois de 2
casamentos. O 2o. casamento ele jura que não deu certo tanto quanto o 1º (o 1º.
durou 20 anos e o 2o durou 17 anos).
Mesmo
nessa etapa de recomeço ele tem as memórias da vida no garimpo e das
mulheres que conheceu nos antigos bordeis. Diz que foi feliz e não se arrepende
de nada, mas tem um segredo que vai levar com ele: há pouco tempo atrás levou
um cliente a um famoso bordel da cidade. Lá, enquanto esperava o passageiro,
conversava com algumas pessoas que trabalhavam no local e saíam para fumar. Eis
que se aproximou dele uma moça muito bonita que, surpreendentemente, lembrava
fielmente uma namorada que ele tinha engravidado na época do garimpo, lá pelas
bandas do Pará. A última vez que viu a namorada, a filha estava com 6 meses. A
fisionomia dela era a mesma da namorada que ele tinha engravidado. Conversa
vai, conversa vem, todas as informações batiam e levavam a crer que era sua
filha. Depois de uns 2 cigarros, se despedem. Ele decidiu deixar assim. Ela
estava tendo a mesma vida que a mãe e ele achou que, já está no fim da estrada,
não valia a pena mexer com o passado. E assim, conheci Palmas. Amei Palmas
Para
ir ao Jalapão, a melhor alternativa é contratar uma agencia de expedição local
que tem todo a estrutura para levar com segurança e diversão.
O
parque do Jalapão fica entre Mateiros e São Félix e é considerado uma grande
atração turística. Em 2017 foi cenário e histórias inspiradoras para a novela O Outro Lado do Paraíso da Rede Globo. A região é cercada por povoados quilombolas e o
artesanato de capim dourado é a principal fonte de renda para as comunidades
locais. Mesmo sendo um destino para ecoturismo há mais de 20 anos, nos últimos
anos caiu no gosto geral.
Roteiro
rustico, estrada de terra, difícil acesso e sem estrutura de apoio para
viajantes independentes, porém, hoje tem muitas agências credenciadas na região
que oferecem expedições para a quantidade de dias que você quiser. Mulheres
viajando sozinhas para esse destino é muito comum, assim como grupos de amigos
e casais. Roteiro muito inclusivo e as agencias tem um cuidado e acolhimento
para cada tipo de viajante.
A
agencia busca no hotel em Palmas com um guia da região e veículo 4x4. E, claro,
os companheiros da expedição. Fui com a Safari Dourado e o acolhimento e cuidados
dos guias foram impressionantes. No final da expedição já bate uma saudade e a vontade
de novos encontros para continuar essa boa amizade que nasce de poucos dias. Os
guias Rayr, Rivamar, Samuel e Eduardo são especialistas em nos fazer rir e amar
o Jalapão e o Marcello proporciona muita segurança antes do roteiro começar,
com todas as informações necessárias.
Eles não trabalham, eles amam o que fazem: cuidar das pessoas e mostrar todas as riquezas do Jalapão. Os guias são muito atenciosos para as questões de fotos, principalmente para quem está viajando sozinho. Impossível não trazer lindas imagens.
Eles não trabalham, eles amam o que fazem: cuidar das pessoas e mostrar todas as riquezas do Jalapão. Os guias são muito atenciosos para as questões de fotos, principalmente para quem está viajando sozinho. Impossível não trazer lindas imagens.
Meu Roteiro:
Fiz
um roteiro de 4 dias, bastante adequado e numa época boa. Recomendo observar o
período das chuvas que pode comprometer alguns passeios. Toda a expedição é
dentro de um carro 4x4, muita terra, cachoeiras, fervedouros e trilhas. As
hospedagens são simples e extremamente acolhedoras e a comida é maravilhosa.
Meu
primeiro dia foi seguir de Palmas para a cidade de Ponte Alta. Cerca de 2 horas
para chegar na cachoeira da Roncadeira e
Escorrega Macaco em Taquaruçu. Ambas
tem acesso fácil, uma trilha de cerca de 1,5 km com subidas e descidas
suportáveis. Os banhos são ótimos. Partes rasas e muita facilidade de uma
parada na queda d’água e fotos maravilhosas. Para quem quer aventura: há
possibilidade de fazer um rapel na Roncadeira.
Ainda tem a parada no Canyon
Sussuapara onde as fotos mostram o mapa do Tocantins no encontro das pedras
e o dia acaba na Pedra Furada para o pôr do sol.
O
segundo dia começa cedo e a 1ª. parada é na Cachoeira da Velha, entrada da Fazenda do lendário Pablo Escobar. A
casa está lá e as histórias são quase lendas. Dizem que era ponto de refino da
cocaína e plantação de maconha. Tem pista de pouso e uma vista digna de filme
hollywoodiano. Na Cachoeira da Velha
começa o rafting e para quem não se aventura, a prainha é o ponto de espera
(com muito sol e agua). O nome é por causa de uma mulher que vivia no local e
ainda hoje a chamam assim: cachoeira da velha.
A
estrada segue na direção da Serra Espirito Santo e morro Saca Trapo e a surpresa
é o pôr do sol nas Dunas Jalapão,
formadas pela erosão das rochas de arenito da Serra do Espírito Santo, que na
ação do vento, formam dunas, sempre no mesmo local.
Noite
começando, antes de pegar a estrada para o pouso, a parada certa é no bar da Dona Abenita para degustar a cachaça
cujo nome deu origem local: jalapa (dose curta) e jalapão (dose longa). Jalapa
é uma batata imprópria para consumo gastronômico, mas cheia de benefícios
medicinais e a maravilhosa cachaça. Dona Abenita, a contadora de histórias, tem
uma regra: só as conta para quem estiver acampado lá (tem um camping atrás de
seu bar). Já era famosa, mas ficou badalada quando conheceu o escritor Walcyr
Carrasco e o inspirou com histórias para a novela O Outro Lado do Paraiso. Seu
bar e seu personagem estão na novela com o grande Lima Duarte. E não é que no
Tocantins tem garimpo de esmeralda mesmo?
Alguns minutos de prosa com Dona Abenita a gente entende o Jalapão. Histórias de tantos amores e dissabores, que sempre remetem a um garimpeiro levando uma moça de bordel para uma nova vida, verdadeiros contos de fadas e conspirações com as brigas entre famílias e riquezas dos garimpos.
Os
fervedouros são nascentes de rios subterrâneo com agua azul transparente, entre
areias claras. Sua principal característica é a ressurgência, ou seja,
impossível se afundar na água. Apesar de existirem muitos no Jalapão, somente 9
estão abertos à visitação pública.
Geralmente
uma quantidade máxima entre 6 a 10 pessoas para um tempo de banho de até 20
minutos. Cada fervedouro, uma experiência única e com sua intensidade. Eu diria
que cada um tem sua personalidade própria.
Nas
datas de alta temporada e feriados é muito comum encontrar caravanas do Piauí,
Maranhão e Bahia disputando espaço com as agências para entrada nos
fervedouros, mas o tempo de espera vale a pena!
No
Fervedouro Buritizinho a experiência é indescritível, por isso vou confiar nas
fotos para tentar me fazer entender.
De
lá seguimos para Cachoeira da formiga, uma lindeza de lugar com águas em tons
de esmeralda e ao redor uma vegetação diferente do cerrado, com mata fechada.
Uma
parada especial em Mumbuca, um povoado quilombola, descendentes de escravos que
saíram da Bahia em 1909. Mumbuca é uma família que se formou a partir da fusão
de 2 casais de índios e negros e todos têm algum grau de parentesco. Nesse
povoado existe a associação de artesãs que produzem e comercializam as peças de
capim dourado. O artesanato de capim dourado foi trazido para a região pelos
índios Xerente e disseminado para a comunidade quilombola. Desde então, é
passada de geração em geração e considerada uma arte única por todo parte do
mundo.
Os
almoços são sempre uma festa a parte: aquela comida de interior e mesas grandes
aonde você senta e conversa sem pressa, cada um mais deslumbrado que o outro. E
depois do almoço, antes de seguir para a próxima atração, o Fervedouro Rio Sono
e o dia terminam no Fervedouro Ceiça, o primeiro fervedouro aberto ao público e
ainda hoje o mais famoso.
Quarto
e último dia, amanhecemos no fervedouro Bela Vista, enorme e acesso bem
estruturado. A última parada é a Cachoeira das Araras, saindo de São Félix do Tocantins
a caminho de Palmas. Possui um excelente ponto para almoço antes de pegar a
estrada até a capital.
E assim, a estrada surge novamente, deixando o Morro da Catedral e o Morro Vermelho como as últimas lembranças a serem levadas do Jalapão.
Sozinha e em grupo?
Viajar
sozinha com total solidão é uma coisa, mas descobrir viagens para ir sozinha e
estar em grupos é outro. Você não precisa optar por um único modelo de viajar
sozinha. Esse roteiro é um tipo de
viagem para quem gosta e quer fazer parte de grupo. Tem gente que acha
complicado compor grupo de desconhecidos para uma expedição como essa, mas eu
sempre gostei muito de conhecer pessoas. Cada 4x4 leva até 4 pessoas e meu
grupo tinha 4 carros com lotação completa.
Seguimos juntos, almoçamos juntos,
pernoitamos quase sempre nos mesmos locais e as afinidades vão surgindo. Nesse
grupo tinha família com crianças pequenas (e apaixonantes), casais divertidos e
simpáticos, amigas cheias de autoestima e pessoas viajando sozinhas (como eu e
a Josi). A Josi voltava pela 2a vez ao
Jalapão e era a primeira vez viajando sozinha.
Essa era a viagem que ela se
auto desfiava num voo solo. E depois
dessa viagem? Perguntei a ela. Ela me disse: a lista ta grande. Tá difícil de
escolher.
Voltando
para Palmas, silêncio, cansaço, internet voltando, a playlist do Rayr, nosso
guia, toca let it be dos Beatles. Me lembrei de um vídeo que Paul narra sobre
composição dessa música, a partir de um sonho com sua mãe*. E a tradução é deixe estar.
A letra é uma oração.
Depois de percorrer 1000kms em 4 dias intensos, inesquecíveis, a realidade
voltando a mente, como se eu estivesse acordando de um sonho, eu estava assim “let it be”. Pensando nos próximos
destinos e com saudade desse roteiro. Mas esse é o caminho do meio né? Ir e
voltar. Essa é a liberdade que buscamos!
Então
se você tem alguma dúvida se esse roteiro é para pessoas que viajam, exploram e
experimentam, mesmo sozinhas, esquece: vai correndo que a felicidade é certa!
*Sonho de Paul McCartney: “Uma
noite, durante aqueles tempos intensos, eu tive um sonho com minha mãe que
tinha morrido há mais de 10 anos atrás. E foi tão bom vê-la porque isso é
fantástico nos sonhos: Você fica unida a essa pessoa por segundos e parece que
esteve presente fisicamente também. Foi ótimo para mim e ela parecia estar em
paz no sonho dizendo, ‘Tudo ficará bem, não se preocupe, pois tudo se acertará.
’ Eu não me lembro se ela usou a palavra ‘Let it be’ (Deixa estar) mas era o
sentido do seu conselho. Eu me senti muito abençoado por ter tido aquele sonho.
E comecei a canção literalmente com a frase ‘Mother Mary.’ A canção é baseada
naquele sonho. ”
Parabéns pelo blog, Andrea !
ResponderExcluirObrigado!!!! seja bemvindo!!!
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